Raquel Vieira em entrevista a partir de Barcelona

Desde a adolescência que Raquel Vieira procurava encontrar o espaço ideal para dar o melhor na divulgação da melhor cultura urbana e do streetwear, e do culto dos sneakers. Uma paixão que começou cedo, quando ainda estava longe de pensar que um dia ia trabalhar ligada ao mundo dos sneakers.

Em 2009, e depois do Erasmus feito em Barcelona, conseguiu por fim dar corpo ao sonho. Raquel está no momento ligada à edição espanhola da prestigiada revista Sneaker Freaker, mas está longe de esquecer Portugal.

Em entrevista, fala-nos sobre quais são as suas edições preferidas do ano, a paixão pelos sneakers e o tanto que faz falta fazer em Portugal para que possamos ter uma cultura sneaker de facto. Para ler e partilhar.

Qual é a tua relação com os sneakers? Lembraste do primeiro par que tiveste?

A minha relação é pessoal e profissional. Lembro-me que quando tinha 4 anos tinha umas sapatilhas do Mickey e adorava-as (lol) mas as primeiras relevantes que me lembro foram umas adidas Rom brancas quando tinha 14 anos e pouco depois andava louca com as etnies Lo-cut.

Como é que foste parar a Espanha e à Sneaker Freaker?

Em 2007 estive 4 meses em Erasmus de Barcelona. A última semana passei-a a chorar e a dizer que tinha que regressar. Nesse mesmo ano acabei o curso e decidi que ia estar um ano (2008) a juntar dinheiro para poder vir procurar trabalho.

Vim em Janeiro de 2009 que coincidiu com a última edição do Bread & Butter. Na segunda semana comecei a distribuir CVs pelas lojas de sneakers mais importantes de Barcelona, já que preferia começar a trabalhar em algo que realmente gostasse, do que estar no departamento de Marketing (o meu curso) de alguma empresa ou sector que não me agradasse.

Graças as Nike Dunks x Married to the Mob que levava, quando entrei na Trust Nobody (loja que infelizmente já não existe) chamei atenção do manager (gracias Alex!) que entregou o currículo diretamente aos sócios da loja, que fazia parte de uma empresa que também distribuía marcas de roupa e tinha a licencia da revista Sneaker Freaker Spain. Três semanas depois de chegar já estava a trabalhar.

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Conta-nos sobre os teus sneakers preferidos de sempre, e uma edição incrível deste ano…

Uff, tough question. Apesar de já não as usar há muito tempo, adoro as Nike Dunk x Married to the Mob, qualquer colorway heritage das New Balance 990 e a colaboração da Asics com a Surface to Air nas Gel DS trainer 14.

Este ano, destaco as New Balance Tassie Devil, as últimas Flyknit Racer do pack HTM y qualquer versão das Roshe Run, por serem umas sapatilhas novas, económicas e muito cómodas.

O que é para ti mais fascinante no mundo dos sneakers e da streetwear?

O mais fascinante são as pessoas que formam parte dele e por ser um mundo relacionado com a moda, mas totalmente diferente dos fashion victims/bloggers e todas essas pessoas que pensam que a moda se resume as catwalks e as marcas mais “high end”. É verdade que já teve melhores dias e a palavra streetwear também começa a deixar de ter sentido na Europa.

Sem dúvida que as pessoas, a cultura e os valores que estas te transmitem são o que realmente me fazem querer trabalhar neste sector. Obviamente gosto de moda, e agrada-me ter este background que me representa. Odeio pertencer as massas e adoro o facto de esta cultura da que faço parte ser a base de inspiração para muitos designers e marcas.

São pessoas genuínas e reais que trabalham no sector, quer em lojas multimarcas ou como desenhadores em marcas independentes, que acabam por criar muitas das tendências que mais tarde vemos nos fashion shows e posteriormente nas lojas de rua (inditex, H&M etc)

Raquel Vieira | Sneaker Freaker

Raquel Vieira | Sneaker Freaker

Estás a viver em Espanha – segues com algum interesse aquilo que se passa em Portugal? Na tua opinião, como é a cultura sneaker no nosso país?

Sim, sigo com interesse acho que conheço a maioria das pessoas deste sector e admiro o trabalho que fazem, mas penso que a cultura está a anos luz atrás da maioria dos países. À excepção dum grupo de pessoas que controla imenso e começou a representar o panorama muito primeiro que eu, (quando me interessei em 2007 ainda tinha muito que aprender; falo de todas as pessoas que conheci no Bairro Alto, major respect por todos!!!) a maioria das pessoas é muito nerd

Vestem-se todos iguais, muitos vêem as sapatilhas como algo alternativo e mesmo as pessoas que têm dinheiro e podiam ajudar a crescer o mercado comprando, preferem comprar umas “sapatilhas” Gucci do que Nike Tier 0 ou umas New Balance Made in USA. Não havendo demanda, não há potencial para abrir lojas mais exclusivas, o que me leva a concluir, com muita pena, que não existe cultura sneaker em Portugal.

Achas que a cultura sneaker, apesar de ter uma clara tradução em termos económicos, carece ainda de outra afirmação? Mais social? Ou será que a manutenção nas margens continua a fazer sentido?

Esta pergunta é muito tricky porque depende do mercado. Claro que movimenta dinheiro, mas não o suficiente. Muito poucas são as marcas que fazem dinheiro com a venda de sneakers, principalmente com as condições económicas actuais.

Se não fosse o futebol e a performance, a maioria das marcas em Portugal, Espanha e Itália estavam mortas. No entanto, cada vez o mundo sneaker é mais mainstream, porque as marcas esforçam-se a cada temporada para criar/comunicar um modelo que em teoria é a ultima tecnologia e tentam implementar necessidades nos consumidores.

Vendem lifestyle disfarçado de performance e aqui é realmente onde podem fazer dinheiro, e onde vemos as modas na rua, quando nos damos conta que determinados modelos estão nos pés de toda a gente.

Como já mencionei antes, principalmente em Portugal, coleccionar sneakers continua a ser alternativo, são muito poucos os que o fazem, e poucos os que realmente sabem o que estão a comprar. Mas, Portugal não deve servir de exemplo.

Se falamos num país como os US, onde até os homeless levam umas Air Max 95 nos pés a situação é muito distinta. Para a maioria das pessoas, ter um par de sapatilhas é mandatory e controlam muito os últimos lançamentos e incluso as colaborações e edições limitadas conseguem gerar muita fome nos consumidores o que levou a cultura a deixar de ser tão alternativa.

Se antes (anos 80 e 90 principalmente) era um mundo altamente influenciado pelo hip hop e o desporto, agora os influencers vêm do mundo não só da moda, mas da gastronomia, arte, celebrities etc. É muito fácil seguir a estas pessoas pelas redes sociais e deixar-se influenciar por elas.

Por isso muita gente acaba por saltar o passo da publicidade e do esforço das marcas de comunicar um produto, porque passam de desconhecer determinado modelo, a visualizá-lo em algum Instagram e a compra-lo numa loja online. É tudo tão rápido fácil, que em termos globais, o conceito de “tribos” e culturas alternativas não faz tanto sentido…